Clube do Leitor: Seu livro de estreia traz uma reflexão profunda sobre identidade e laços interpessoais. Como surgiu a ideia central de “Uma tênue linha…” e por que escolheu abordar a tênue fronteira entre ilusão e realidade?
Sandra V. R. Lugli: A ideia central de Uma Tênue Linha… nasceu de uma reflexão que me inquietava: quanto de nossa ancestralidade, ou seja, de nossas origens genéticas, influenciam nossas escolhas, nossa rotina, os resultados que obtemos a partir dos desafios que nos impomos? As dificuldades de comunicação, além dos fatores externos educacionais, podem advir da construção da narrativa interna que herdamos? Afinal, o que, além das imposições sociais, acaba por realmente dirigir nossas escolhas?
Essas dificuldades em se reconhecer surgem sobretudo a quem, por questões econômicas ou educacionais, ou ainda por identificação, migra ou emigra. O emigrante nunca deixa seu país, suas raízes, sua família, a terra de seus ancestrais, por vontade própria. Não há modo do emigrante “escolher” de deixar sua terra de origem por outra desconhecida e com a qual ele não tem identificação. Será sempre por alguma falta que o país de origem tem. Porém, no momento em que essa falta sentida no país de origem, não for mais de vital importância para o imigrante, ou no momento em que os “perigos” que sua terra natal não existirem mais, neste momento há grande chance do imigrante retornar sobre seus passos.
Aí reside a Tênue Linha…uma linha imaginária que une vidas, que ajuda a entender quem somos, e que todos nós devemos percorrer para nos situarmos no nosso percurso.
Já a fronteira entre ilusão e realidade? Ela é tão sutil, tão tênue, que é difícil caminhar em direção a uma, sem pisar nos limites da outra. Só a experiência irá nos ensinar quanto de uma ou de outra devemos dosar no nosso dia a dia. As personagens de Uma Tênue Linha…justamente percorrem esta fronteira, que, longe de ser apenas filosófica, é vivida por elas diariamente, nas escolhas que fazem, nas memórias que reinterpretam, nos vínculos que criam ou que desfazem.
Eu quis explorar esse terreno delicado porque é ali que mora a essência dos nossos conflitos mais verdadeiros: o medo de se perder, o desejo de ser visto, a dor de não caber.
Clube do Leitor: Sabemos que sua trajetória inclui uma formação científica em Química e uma carreira empresarial, além de uma forte ligação com as artes. Como essas experiências moldaram sua escrita literária e a construção das personagens?
Sandra V. R. Lugli: Com a Química aprimorei minhas tendências a observar o mundo com precisão, a buscar padrões, mas também a procurar o mistério que existe nas transformações. Acredito que estas sejam características muito relacionadas à literatura. A escrita, para mim, é uma espécie de Alquimia Emocional, pois, assim como na ciência, também a escrita precisa de experimentação, há tentativas e erros, há descobertas inesperadas. Essa visão mais analítica me ajuda a construir personagens com camadas, com contradições que fazem sentido dentro de sua lógica interna.
Já a carreira empresarial me trouxe o olhar para o humano em movimento: decisões, conflitos, ambições, vulnerabilidades disfarçadas em força. Conviver com diferentes perfis, liderar equipes, enfrentar desafios reais, tudo gerou uma escuta mais atenta para os silêncios das pessoas e isso é ouro na hora de escrever.
E no que se refere às artes, elas são meu refúgio e meu impulso. Elas me ensinaram a sentir sem pedir permissão, a mergulhar no simbólico, a dar forma ao invisível. A apreciar a beleza.
É dessa fusão entre o rigor da ciência, a vivência prática do mundo corporativo e a liberdade das expressões artísticas que nasce minha escrita. Minhas personagens carregam tudo isso: são racionais e intensas, frágeis e resilientes, como todos nós. Escrevê-las é quase como reencontrar partes de mim que estavam espalhadas pelo caminho.
Clube do Leitor: Você viveu quase 25 anos na Itália e teve uma forte aproximação com as artes durante esse período. De que forma a cultura italiana e sua vivência como imigrante influenciaram a temática do livro?
Sandra V. R. Lugli: Foi um período de vida riquíssimo, em termos de aprendizado. A cultura italiana, com sua profunda valorização das artes, da beleza, da estética e da história, permeou meu olhar e minha sensibilidade. Estar cercada por obras de arte preservadas e admiradas, arquitetura milenar e uma tradição literária preciosíssima, me ensinou a enxergar beleza nos detalhes e a compreender o poder da narrativa como forma de resistência e expressão.
Paralelamente, lidar com a sensação de deslocamento, a busca por pertencimento e a constante negociação entre identidades culturais diferentes, trouxeram uma camada de complexidade emocional à minha expressão escrita. A Itália me ensinou sobre raízes, mas também sobre o que significa reinventar-se. Ensinou-me muito sobre fronteiras, mas também sobre pontes.
Clube do Leitor: A sua narrativa é descrita como sensível e fluida, e revela admiração por diversas formas de arte. Quais obras, autores ou movimentos artísticos mais influenciam sua estética literária?
Sandra V. R. Lugli: Minha escrita é profundamente marcada por uma convivência profunda com diversas formas de arte, como a pintura, música, cinema, escultura, e por uma admiração por obras que transcendem o tempo e provocam a sensibilidade. Minha estética literária é resultado de um diálogo constante com essas expressões, de forma bastante eclética, tentando apreciar o que cada gênero tem de bom a me oferecer.
Há uma musicalidade silenciosa que tento preservar, como se cada frase tivesse sua própria respiração. E me inspiro igualmente na música clássica e algumas óperas, nas boas obras de rock&roll, de pop, canções românticas e as obras brasileiras dos anos 70. Na pintura, aprecio igualmente a intensidade de Caravaggio e a delicadeza de Modigliani, os impressionistas e os pós-impressionistas. Já na literatura, não há um autor ou movimento que tenha me influenciado diretamente. Autores como Marguerite Yourcenar, Clarice Lispector, Ítalo Calvino, ensinam, cada um deles, aspectos diferentes na construção de histórias. Movimentos artísticos, acredito que o Romantismo e o Expressionismo têm tudo a ver comigo.
Clube do Leitor : Quais reflexões ou sentimentos você espera despertar nos leitores após concluírem a leitura de Uma Tênue Linha? Há alguma mensagem ou sensação que deseja que permaneça com eles?
Sandra V. R. Lugli: Ao concluir a leitura de Uma Tênue Linha, espero que os leitores carreguem consigo uma sensação de delicado desconcerto, como quem acaba de atravessar um território íntimo e silencioso, e precisa de um tempo para reorganizar os próprios sentimentos. Seria o máximo se as histórias reverberassem suavemente, que continuassem a pulsar mesmo depois da última página. Por serem contos leves e positivos, retratam cenas de vida de cada um de nós, e o leitor consegue se retratar em personagens e situações, pela realidade que eles apresentam. Empatia, escuta, vulnerabilidades, laços, ancestralidade e a linha que nos une ao passado, pertencimento, amor, amizade…estes são os temas que desejo que fiquem atrelados para sempre ao meu livro Uma Tênue Linha.