Clube do Leitor: O que te motivou a escrever Amor Virtual, Consequências Reais? Esse livro nasceu mais da observação clínica, de experiências pessoais ou de inquietações sociais sobre o amor na era digital?
Charlene Santos: Amor Virtual, Consequências Reais nasceu da minha inquietação diante das novas formas de amar na contemporaneidade. Principalmente na época da pandemia, fui me deparando com relatos de sofrimento emocional vividos em relações mediadas pelo ambiente digital, o que me levou a refletir criticamente sobre como as tecnologias atravessam, influenciam e, muitas vezes, intensificam os vínculos afetivos. O livro então surge desse incômodo diante de histórias que tem pontos em comum, promessas, idealizações, silêncios e rupturas que deixam marcas as vezes passageiras e outras vezes profundas, mesmo tudo começando no espaço, no mundo virtual.
Clube do Leitor: No livro, você trabalha a fronteira entre o amor real e o amor projetado. Em que momento um vínculo virtual deixa de ser saudável e passa a se tornar uma ilusão emocional?
Charlene Santos: Como psicóloga, entendo que para um vínculo existir é necessário que mais de um sujeito esteja efetivamente empenhado nessa construção, trata-se de um laço que se forma na interação e que organiza a maneira como o indivíduo se relaciona consigo, com o outro e com o mundo. Ou seja, vínculo é a relação afetiva e emocional que se estabelece entre pessoas, sendo caracterizado por envolvimento, pelo investimento psíquico, por expectativas de cuidado, por reconhecimento e também por pertencimento.
Esse vínculo pode existir nas relações que começam pela interação virtual, sim podem e são validas. No entanto, um vínculo virtual deixa de ser saudável quando passa a ser sustentado mais pela projeção do que pelo encontro real entre dois sujeitos. Isso ocorre quando o outro deixa de existir como pessoa concreta e passa a ocupar o lugar da fantasia, funcionando como preenchimento de faltas ou de expectativas irreais. Além disso, o vínculo se torna prejudicial quando é utilizado como instrumento de manipulação por uma das partes, iludindo o outro e exercendo controle emocional.
Clube do Leitor: A protagonista vive uma jornada de vulnerabilidade e autodescoberta. Você acredita que muitos leitores irão se reconhecer nessa personagem?
Charlene Santos: Sim, acredito nisso. A protagonista foi construída a partir de relatos escutados e lidos de pessoas que já vivenciaram o amor mediado pelas telas. Sua vulnerabilidade não representa fragilidade, mas humanidade. Ela expressa o desejo de ser vista, amada e escolhida. Por isso, muitos leitores tendem a se reconhecer não apenas em suas escolhas, mas também em seus silêncios, dúvidas e nas tentativas de se reconstruir.
Clube do Leitor: Sua formação transita entre psicologia, pedagogia, engenharia e ciências forenses. Como essa combinação influenciou a construção da narrativa?
Charlene Santos: Essa multiplicidade de formações atravessa a narrativa de maneira sutil, mas estrutural. A psicologia contribui para a compreensão dos afetos e dos vínculos; a pedagogia entendo que se manifesta no cuidado com a forma de conduzir a história, a engenharia oferece um olhar atento às mediações tecnológicas e as ciências forenses proporciona como uma visão da possível dimensão das consequências, dos danos e da responsabilidade. Assim, o livro se construí nesse tripé que entendo como o afeto, a tecnologia e a subjetividade.
Clube do Leitor: Redes sociais: aproximação ou ferida?
Na sua visão, as redes sociais aproximam mais as pessoas ou ampliam feridas emocionais já existentes?
Charlene Santos: As redes sociais por si só não criam nada, diria que o modo como é usada e seu foco que vai gerar coisas positivas e negativas. Entendo que as redes sociais podem potencializar vulnerabilidades que já existam. Elas aproximam pessoas, permitem conhecer novos lugares, culturas e histórias, mas também podem amplificar carências, idealizações e dinâmicas de dependência emocional. Quando essas questões não são trabalhadas no mundo real, com o apoio adequado de profissionais da saúde mental, podem se tornar problemáticas. O problema não está na tecnologia em si, mas na maneira como ela é usada para suprir faltas afetivas profundas, muitas vezes sem consciência dos riscos envolvidos.
Clube do Leitor: Bridget Jones na era digital
A sinopse menciona inspirações em Bridget Jones. O que essa referência representa para você na construção da mulher contemporânea?
Charlene Santos: Li, e vi filmes de Bridget Jones, ela representa a mulher real, muitas vezes mostrando a imperfeição, insegura, desejante e, ou seja, a mulher profundamente humana. Ao trazê-la como uma referência sutil, a proposta foi refletir que, mesmo em um mundo virtual marcado por imagens de perfeição, a experiência feminina continua atravessada por imperfeições, situações inusitadas e momentos cotidianos, muitas vezes engraçados, que fazem parte da vida real de cada mulher.
Clube do Leitor: Consequências reais
Qual é a principal consequência emocional que o leitor precisa enxergar ao se envolver em amores virtuais?
Charlene Santos: Bom, a principal consequência emocional que o leitor precisa enxergar é o risco da perda de si. Ao se envolver em amores virtuais, especialmente quando não há reciprocidade concreta ou comprovação do real, o sujeito pode, pouco a pouco, abrir mão de limites, da autoestima e de vínculos reais em nome de uma promessa afetiva. Embora toda relação envolva riscos, inclusive as presenciais, no mundo virtual esses riscos podem ser potencializados, tornando o sofrimento mais intenso e duradouro quando a relação se sustenta mais na projeção do que no encontro entre dois sujeitos.
Clube do Leitor: Um convite ao leitor
Para quem você indicaria Amor Virtual, Consequências Reais e que tipo de reflexão espera provocar em quem o lê?
Charlene Santos: Indico o livro a todos que já amaram e ou tentaram amar na era digital. Especialmente para os que já se sentiram confusos, feridos ou silenciados em relações virtuais. Espero provocar uma reflexão sobre limites, escolhas afetivas e autoconhecimento. Mais do que apontar erros, o livro convida à escuta de si, ao cuidado emocional e a uma reconstrução de vínculos mais conscientes.

