Entrevista:
Bruno Bremer

Como surgiu a inspiração para escrever o romance “Deixo-me e Levo-te” e qual foi o processo de criação desse livro?

Bruno Bremer: Comecei meio que por acaso, escrevendo pequenas histórias reflexivas, utilizando as mesmas personagens, sem, necessariamente, conectá-las, apenas porque sempre gostei de escrever. Era uma retomada desse prazer, pois fazia dezoito anos que não escrevia. Bom, ao final da sétima, ou oitava história, tive a ideia de dar continuidade e, então, surgiu o projeto de um livro, onde a narrativa seria aprofundada. As primeiras histórias se tornaram os primeiros capítulos, quando decidi que faria uma única narrativa. Já com a ideia do final do livro em mente, durante o processo, desenhei a narrativa de forma que pudesse vislumbrar as conexões para chegar ao fim idealizado.

Quais são os principais temas que você gostaria de abordar com os personagens Luciana e Augusto? E qual mensagem você espera transmitir aos leitores através de suas histórias?


Bruno Bremer: Uma palavra para definir minha narrativa seria “escolha”, pois essa é a mensagem central do livro: tudo é uma escolha. Escolhas definem e interferem diretamente em nós e nos que estão a nossa volta. Por isso, o nome do livro é “Deixo-me e Levo-te”, uma vez que sempre deixamos e levamos algo de alguém, sejam experiências boas ou ruins. Em minhas histórias, sempre busco conversar com o leitor, trazendo reflexões acerca dos nossos sentimentos, de como isso nos afeta e do que faremos com o que sentimos e fazemos o outro sentir. Luciana e Augusto têm histórias, origens e idades diferentes. Um tem mais experiência e o outro tenta aprender a lidar com o que a vida lhe traz. Ela tem um arco de evolução reflexiva, de aprender a sentir e a lidar com isso. Ele precisa lidar com o passado e, mesmo sendo mais preparado, tem uma história de superação. Em ambos os arcos, a mensagem é clara: a vida é dura e difícil. Precisamos aprender a lidar com sua dureza, escolher a dificuldade que queremos encarar e, a partir disso, ressignificar nossos sentimentos.

A narrativa do livro é habilmente costurada pelo tempo. Como você lidou com essa técnica narrativa e como ela contribui para a construção das personagens e da história?


Bruno Bremer: O Tempo é o senhor de tudo, é a única medida sentida por todos os seres. Cada um com sua percepção. Tento trazer essa percepção de tempo em dois momentos distintos do livro: numa primeira fase, a narrativa é mais explicativa, num tom que lembra o realismo, mas tomando cuidado para não ficar cansativo como a escola realista. Nessa fase, o tempo é narrado numa velocidade mais contemplativa, para o leitor se situar; depois, num segundo momento, a narrativa acelera, justamente para dar luz a essa questão de relatividade do tempo. Conforme o arco dos personagens evolui, o tempo de narração se altera. Afinal, não é assim na nossa vida? Quando as coisas vão mal, temos a sensação de um tempo mais parado; enquanto as coisas mudam, quando nós mesmos mudamos, de acordo com a percepção que ganhamos de como somos e como lidamos com aquilo que sentimos, a percepção de tempo realmente muda. Ele continua passando da mesma forma, mas a nossa percepção se altera de acordo com o que vivemos e como aprendemos a lidar com o interno. Essa é a contribuição que acredito que a narrativa traz.

Os personagens Luciana e Augusto refletem sobre a importância de cultivar o que temos dentro de nós, assim como a flor que disponibiliza seu néctar e pólen para diversos seres. Como surgiu a ideia dessa metáfora e por que você a considera tão significativa?


Bruno Bremer: A ideia surgiu da observação, traçando paralelos entre o que está a nossa volta e aquilo que sentimos. Os sentimentos seriam o néctar, pois precisamos deles para viver. E o pólen seria o que esses sentimentos causam e como os espalhamos ao longo do jardim, que é nossa vida. Como meus textos sempre têm um viés filosófico e reflexivo, gosto de usar metáforas para exemplificar e fazer esse paralelo entre o mundo real e o que eu, as personagens e o leitor estamos sentindo. No caso da flor, ela disponibiliza o que tem de melhor, independentemente de quem usufrui daquilo. Essa metáfora faz referência ao fato de que quanto mais nos autoconhecemos, não somos tão afetados emocionalmente, ainda que nossas ações e as dos outros nos tragam inúmeras sensações. Ou seja, você sente a alegria ou a dor, mas decide como lidar com elas. Por isso, a importância dessa metáfora e de outras reflexões constantes na narrativa. Sempre concluo um capítulo com uma dessas reflexões e, em várias deles, faço essas analogias. Esse foi um ponto que, quem leu, elogiou. É gratificante ver os leitores percebendo essas intenções.

Seu livro aborda a complexidade das relações humanas e a importância de aprender com as consequências de nossos atos. Qual o seu posicionamento sobre o impacto que nossas escolhas têm em nossas vidas e nas vidas dos outros? E como isso se reflete na trama de “Deixo-me e Levo-te”?

Bruno Bremer: Somos complexos, não é? É impossível termos relações simples, ou simplórias. Na verdade, a narrativa coloca em perspectiva dois personagens centrais, que são o Augusto e a Luciana, com a interação de outras quatro personagens muito importantes: Felipe, Beatriz, Caio e Adônis. Esse núcleo é dividido em três subgrupos bem definidos, onde as escolhas de cada um interferem na perspectiva uns dos outros. Sempre há o paralelo de como as histórias de personagens parecidos são influenciadas pelas suas escolhas. Por exemplo, Caio e Adônis têm origens semelhantes, mas cada um toma um rumo, a partir das escolhas que fizeram, ainda que a interação deles seja constante e entrelaçada. O mesmo ocorre com Felipe e Augusto e, também, com Beatriz e Luciana. Esse paralelo é constante na narrativa. Sutil, mas constante. E o tempo sempre tem sua participação de destaque.

Como você enxerga o desenvolvimento dos personagens ao longo da história? E como você acredita que as experiências vividas por Luciana e Augusto podem ser inspiradoras para os leitores?

Bruno Bremer: Como disse na pergunta anterior: o arco narrativo de cada personagem é único, claro, mas é possível traçar um paralelo entre estes seis personagens centrais. O arco de cada um serve como contraponto de outra personagem. Então, nesse aspecto, sempre busquei mostrar como a nossa dualidade de sentir pode ser notada. Por exemplo, tem um personagem que é mais marcado por ações egoístas e maldosas, mas ele tem exposto também um lado carinhoso e, até mesmo, generoso. Todos somos duais. Ninguém é mau, ou bom por completo. A partir daquilo que sentimos, todos podemos escolher agir bem ou mal, com intencionalidade ou não, ser egoísta ou caridoso, enfim, somos isso. Acredito que essa identificação das personagens com os leitores é importante, afinal, no faz refletir e pensar: e se fosse comigo? Eu escolheria o quê? As experiências das personagens têm esse pano de fundo, fazer com que nos identifiquemos e pensemos sobre o assunto.

Quais foram os maiores desafios enfrentados durante o processo de escrita e como você os superou?

Bruno Bremer: Ah, isso é engraçado. Foram dois anos de trabalho e, em vários momentos, aconteceram pequenas (ou grandes) bifurcações onde fiquei estacionado. Por diversas vezes, peguei-me pensando sobre como determinada ação de uma personagem afetaria a história, ou como certo evento faria esse ou aquele se sentir e qual seria a reação daquela personagem, a partir desse evento. Tem horas, que o personagem exige certa ação ou fica claro que ele não teria determinada atitude. É como se os personagens falassem conosco: “Não, fulano não falaria ou faria isso”. Agora, como superei esses entraves? Com o passar do tempo. Há momentos, em que estamos muito envolvidos com a narrativa, que é preciso pausar. Durante essas pausas, conseguia me colocar no lugar daquele personagem e imaginava qual seria seu sentimento. Uma dessas paradas durou quase dois meses e, assim como travava, em determinada hora, destrava. É um processo bem gostoso, mas, obviamente, trabalhoso.

Para finalizar, que mensagem você gostaria de deixar para os leitores que se emocionaram e se identificaram com a história de Luciana e Augusto em “Deixo-me e Levo-te”? E quais são seus planos para futuros projetos literários?

Bruno Bremer: Acho que a mensagem central é essa: tudo é uma escolha. Parece clichê, mas é real. Não importa o que a vida fez contigo, mas sim o que você faz com o que a vida fez contigo. É preciso lembrar que nossas escolhas afetam nosso futuro e o dos outros a nossa volta, que o passado serve para aprendermos e que o importante é aprender a sentir. Aproveitando esse gancho sobre passado e futuro, estou trabalhando numa trilogia que foca na relação entre o que somos e o que nos tornamos. Chama-se “Cartas de Um Morto”. O primeiro volume é um romance epistolar, uma proposta diferente. O segundo mostrará uma narrativa de eventos anteriores e concomitantes ao que ocorre no primeiro volume; já o terceiro será uma história que se passa após o primeiro. É uma narrativa que mostra o arco de evolução do próprio autor das cartas: Numa difícil despedida, Noah faz o balanço de tudo que viveu, relembrando pessoas e momentos que fizeram parte da sua vida, reconstruindo momentos que trazem a saudade, o amor e diversas emoções que jamais deveriam ter passado despercebidas. E se fosse possível voltar no tempo, ele teria feito algo de diferente? E se a reflexão do que elas foram pudesse ser, pra sempre, ressignificada? Morte e vida se misturam, a todo instante, sendo uma essencial para que a outra seja plena.

O Cartas de Um Morto é um romance que nos faz viajar, através da emoção de percebermos os detalhes que nos rondam e nem sempre nos damos conta do seu valor. A proposta é que pensemos sobre nossa própria finitude, mas, sobretudo, o que fazemos com ela no nosso cotidiano e o que fazemos com a nossa existência. Afinal, quando juntamos literatura, reminiscências, emoções e reflexão, é impossível não nos questionarmos: O que tenho feito comigo? E como posso transformar minha própria existência numa viagem mais sincera comigo mesmo? Acredito que falar sobre a morte não precisa ser macabro e creio que seja necessário que a vejamos como ela é: parte da vida. Que vida queremos viver? Qual temos vivido?

Um trechinho:

“E foi assim que aquela senhora velha, vestida de negro, com a face esbranquiçada, da pele áspera, que fazia lembrar uma caveira, cruzou a linha que dividia a minha Vida da Vida do resto do mundo.

Desde que a Morte, (que eu digo que é velha porque está no mundo desde que o primeiro ser vivo sobre a Terra parou de respirar), chegou lá naquela manhã, nunca mais deixou de bater à porta de vez em quando.

Por isso reuni aqui as cartas que escrevi para aqueles que passaram pela minha Vida. Ou pela minha morte. Depende do ângulo, do ponto de vista. É um grito tardio, quase uma memória póstuma.

Obviamente não brilhante como a de Machado (seria imbecil se pensasse isso). Só tive vontade de escrever mesmo. Falar o que não pude em Vida.

Fiz uma para cada pessoa que de alguma forma contribuiu para me ensinar alguma coisa da Vida. Ou da Morte. De novo essa dicotomia…

Seguem as Cartas de Um Morto.”

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