Alguns livros não são apenas lidos — são sentidos. Reminiscências Meninas, de Anete Nino, é um desses encontros raros entre literatura, memória e resistência. Ao abrir suas páginas, entramos em uma narrativa que é, ao mesmo tempo, profundamente íntima e universal. É a história de uma mulher, de uma menina, de tantas de nós.
Com uma escrita visceral e ao mesmo tempo poética, a autora nos convida a visitar sua infância marcada por pobreza, desigualdade e silêncios — mas também por afetos, pequenas alegrias e uma lucidez precoce diante do mundo. Cada capítulo é uma janela para o cotidiano de uma menina que observa, questiona e sente — às vezes com ternura, às vezes com dor — o peso de ser mulher em um Brasil que nem sempre acolhe.
O livro se destaca pela força de sua honestidade. Anete não romantiza a infância, tampouco idealiza o passado. Ela escreve com a coragem de quem encara suas dores sem anestesia, mas também com a ternura de quem reconhece que foi preciso resistir para florescer. É nessa franqueza que está o maior poder do livro: ele toca o leitor porque é verdadeiro.
O texto transita entre episódios comoventes — como a relação com os avós, o primeiro amor, o parto do filho — e reflexões sociais afiadíssimas sobre desigualdade, machismo, racismo e os limites impostos às mulheres. A autora transforma memórias em denúncia, mas também em poesia.
A linguagem é fluida, carregada de imagens sensoriais e sentimentos. Os cheiros da infância, as texturas das casas simples, os silêncios das mães, os olhos dos meninos da vila — tudo está presente, como se a autora quisesse costurar a vida com palavras.
Reminiscências Meninas é mais que um livro de memórias: é um manifesto de uma mulher que ousou não silenciar, que encontrou na escrita um abrigo e uma arma. Ao final da leitura, a sensação é de que conhecemos a autora como uma velha amiga. E é impossível não sair tocado, transformado e, de certo modo, mais consciente das dores e potências que carregamos ao longo da vida.
