Livro
Resenha do livro “Ciborgue”, de Fabrício Oliveira

Ficha Técnica

Título: Ciborgue
Autor: ​​Fabricio Oliveira
Editora: ‎ Editora Autografia

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Ler Ciborgue é mergulhar em um universo poético onde passado e futuro, carne e máquina, sensibilidade e tecnologia se entrelaçam num tecido literário profundamente humano. Fabrício Oliveira nos conduz por esse território híbrido com uma escrita ousada, provocadora e, ao mesmo tempo, delicadamente sensível — como se cada verso fosse um espelho no qual podemos nos reconhecer e nos questionar.

Desde o prefácio, o autor anuncia sua postura estética e política: a poesia não está a serviço de nada além de si mesma. E é justamente nessa liberdade que ela encontra sua força máxima. O poeta não escreve para agradar, mas para inquietar. Ele utiliza a linguagem como ferramenta de reflexão sobre os rumos da humanidade e nos convida a pensar sobre o que, afinal, significa “ser humano” em um mundo dominado por algoritmos, próteses e inteligências artificiais.

Em poemas como “3500”, a crítica social se mistura à ficção futurista para denunciar um Brasil que, mesmo dois mil anos depois, permanece refém das mesmas desigualdades e contradições. A presença de “humanoides” armados e a perda da fronteira entre o orgânico e o tecnológico criam um cenário distópico que não parece tão distante da nossa realidade. O tom é ácido, mas necessário — e, ao final, a pergunta ecoa: o que ainda resta de humano em nós?

Já em “O dia mais feliz da minha vida” e “Star”, Fabrício trabalha com a ironia e a sensibilidade ao retratar relações amorosas e familiares em um mundo onde sentimentos são programados e filhos são projetados. A frieza da lógica tecnológica contrasta com a ternura dos desejos humanos, criando um espaço poético em que emoção e código coexistem. É impossível não refletir sobre a nossa própria dependência das máquinas e sobre a forma como a tecnologia redefine afetos, maternidades e formas de amar.

Textos como “Prótese” nos lembram que a fusão com a máquina já é realidade. A pergunta “Onde está a sua prótese?” nos obriga a encarar o espelho e perceber o quanto já somos, em parte, ciborgues — não apenas por nossos dispositivos externos, mas pela maneira como eles moldam nossas identidades e percepções.

Ao mesmo tempo, há momentos em que o lirismo rompe a camada crítica e alcança o íntimo. Poemas como “Em meu colo” revelam uma poesia de afeto, de toque e de presença — sentimentos que resistem mesmo em um mundo cada vez mais artificial. Em “Virtualidade”, a crítica se volta ao cotidiano hiperconectado, questionando nossa relação com as redes sociais e a superficialidade das interações digitais.

Ciborgue é mais que um livro de poemas: é uma experiência estética e filosófica. Fabrício Oliveira costura tecnologia, política, amor, raça e existência com a precisão de quem entende que a poesia não serve para oferecer respostas, mas para abrir feridas e ampliar horizontes. É uma leitura que incomoda e emociona, que provoca e acolhe.

No fim, a sensação é a de que somos todos ciborgues — não apenas pela tecnologia que carregamos, mas pelas múltiplas camadas que compõem nossa humanidade. E talvez seja justamente na poesia, essa arte “inútil” e essencial, que encontremos a coragem para encarar quem realmente somos e quem estamos nos tornando.

 

Em síntese: Ciborgue é uma obra potente e necessária. Um convite à reflexão sobre o presente e o futuro, sobre o corpo e a máquina, sobre a liberdade e o amor. Fabrício Oliveira nos lembra que, mesmo em meio ao aço, ao código e ao algoritmo, a poesia ainda pulsa — e continuará sendo a nossa parte mais humana.

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